“Transmasculinidades, não-binariedades e prevenção do HIV” foi o tema da live do ImPrEP CAB Brasil, realizada em 22 de fevereiro de 2024, no canal do projeto no YouTube (Projeto Imprep INI-Fiocruz). O encontro, que marcou o Dia Nacional de Luta e Resistência de Homens Trans e Pessoas Transmasculinas, contou com as presenças de Diego Nascimento, diretor de programas da Associação de Travestis, Transexuais, e Transgêneros da Bahia, Enzo Gomes, vice-coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades, Mikael Lopes, secretarie na Rede de Pessoas Trans Vivendo com HIV/aids, e Gab Van, presidente da Liga Transmasculina João W. Nery. A mediação ficou a cargo de Julio Moreira e Keila Simpson, coordenadores comunitários do ImPrEP CAB Brasil, além de Luciana Kamel, assessora de educação comunitária do projeto.
A reunião começou com Julio pedindo para que algum dos palestrantes discorresse sobre a diferença entre uma pessoa trans e uma pessoa não-binária. Mikael respondeu: “Pessoas trans são aquelas que não se identificam com o sexo atribuído no nascimento, já as não-binárias são as que não são estritamente masculinas ou femininas, estando, portanto, fora do binarismo de gênero”. Luciana afirmou que gênero é uma construção social e lamentou que muitos ainda não conheçam a diferença entre uma pessoa cisgênero e uma pessoa transgênero.
Diego iniciou o debate com uma observação importante: “Infelizmente, as pessoas transmasculinas ainda são muito discriminadas nos serviços públicos de saúde. Até quando nossas demandas nada têm nada a ver com a transmasculinidade somos vítimas de preconceito. Imagina o que acontece quando vamos tratar da nossa saúde sexual e reprodutiva. É um horror.” E desabafou: “Lamento que ainda não existam políticas públicas relevantes voltadas à nossa população. Isso acontece porque somos ignorados pelo IBGE na realização do Censo. Para o poder público, a gente é invisível”.
Prevenção em pauta
Em seguida, Enzo trouxe a profilaxia pré-exposição (PrEP) ao HIV para o debate: “A maioria dos homens trans não faz uso da PrEP por medo de efeitos colaterais, já que tomamos regularmente hormônios masculinos. Precisamos de campanhas que esclareçam sobre a viabilidade da profilaxia para a nossa população”. Julio ressaltou que existe uma pequena parcela do público transmasculino que faz uso do medicamento com segurança, embora poucos estudos voltados para esse púbico-alvo tenham sido realizados até o momento.
A prevenção ao HIV continuou em pauta. “Praticamente não se fala sobre prevenção para pessoas transmasculinas. As campanhas do governo são quase sempre voltadas para as pessoas cis ou, no máximo, para a população de mulheres trans. Homens trans e pessoas não-binárias não sabem se podem tomar a PrEP ou a profilaxia pós-exposição (PEP) ao HIV, ficando restritos ao preservativo como único método de prevenção. Precisamos de outras ferramentas”, afirmou Mikael.
Gab fez coro com Mikael: “É urgente falar sobre prevenção indo além dos corpos cis. Por causa da desinformação, muitos homens trans demoram tempo demais para procurar um ginecologista. Isso é um risco enorme para a saúde sexual do paciente”. Diego emendou: “A sociedade tenta encaixar a gente o tempo todo em uma lógica cis. Eu repudio essa tentativa. Sou uma pessoa trans com muito orgulho e não abro mão disso”.
Aplicativos e experimentação sexual
A reunião prosseguiu com Keila perguntando sobre como a população transmasculina faz uso dos aplicativos de relacionamento. Enzo respondeu: “Não gosto de estar no campo da experimentação sexual. Muitos homens cis nos procuram nos aplicativos porque nos colocam nesse local. Meu corpo não é um experimento”. Gab completou: “Realmente existe um fetiche relacionado ao corpo do homem trans. Quero ser desejado pelo que sou e não pelo que idealizam a meu respeito”.
Quem também opinou sobre o assunto foi Mikael: “Essa curiosidade com nossos corpos incomoda muito. Arrisco dizer que beira à LGBTFobia. Nós sentimos desejo como qualquer outra pessoa. Não aceitamos ser encarados como uma experimentação sexual por parte de ninguém. Mas, infelizmente, é assim que uma parcela significativa dos homens cis nos enxerga”.
A live caminhava para o final quando Julio pediu uma última palavra de cada convidado. Gab foi o primeiro a falar: “Fico feliz por participar desse encontro com quatro homens trans e negros. Nossos corpos também têm de estar presentes nas campanhas de prevenção. Só as pessoas cis e brancas não bastam”. Em seguida, foi a vez de Diego: “É reconfortante saber que o ImPrEP CAB Brasil está preocupado com as nossas demandas. Ainda temos um longo caminho pela frente, mas iniciativas como essa nos enchem de esperança”.
Mikael prosseguiu: “Sempre acompanhei as lives do ImPrEP CAB Brasil e hoje tive a oportunidade de participar do debate. Agradeço imensamente ao projeto por dar visibilidade às populações transmasculinas e às pessoas não-binárias. Precisamos muito de espaços como esse”. Foi Enzo quem fechou o encontro: “É uma honra estar ao lado de tanta gente especial. O nosso caminho em busca de dignidade é árduo, mas vamos até o fim para ocupar o lugar que nos cabe na sociedade. Deixar de lutar pelos nossos direitos não é uma opção”.